INEP investiga Faculdades particulares suspeita de fraudar o ENADE no Mato Grosso
Três faculdades particulares do estado do Mato Grosso são investigadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) por suspeitas de participarem de um esquema que fraudava o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade).
Segundo reportagem do Fantástico do domingo (16), as instituições antecipavam a formatura de estudantes que tiravam notas baixas para que não participassem do exame.
O objetivo do Enade é avaliar as instituições de ensino. Ele substituiu o chamado Provão, em 2004.
As instituições investigadas são a Faculdade Cuiabá, a Faculdade Cândido Rondon e a Faculdade Desembargador Sávio Brandão. Todas elas são dirigidas por Maria Aparecida Enes Andrade.
A maior parte da nota do Enade (55%) sai de uma prova que é feita por estudantes veteranos, ou seja, que já tenham cumprido pelo menos 80% do curso. A direção da faculdade deu um jeito para garantir que só os bons alunos fizessem o Enade.
Antecipação da formatura
As faculdades apressaram a formatura dos estudantes considerados mais fracos, que poderiam derrubar a nota média da turma. Alguns desses estavam em uma formatura realizada antes do Enade.
Gravações revelam o esquema
Em gravações de reuniões da diretora com professores, obtidas pelo Fantástico, ela diz: “Vocês têm que parar tudo e só intensificar Enade.” Em outro trecho, ela acrescenta: “Do jeito que nós estamos, a gente nunca vai sair de protocolo de risco.”
Protocolo de risco é a série de sanções aplicadas pelo MEC a faculdades que se saem mal no Enade. Em 2015, as três faculdades em questão tiveram notas baixas – 1 ou 2, quando o máximo é 5. A última aplicação do Enade foi em 2018.
A repetição do mal resultado poderia levar à primeira sanção: diminuir o número de alunos nas faculdades. A reunião foi um mês antes do exame.
Em outras palavras, o aluno era aprovado e obtinha o diploma mesmo sem completar toda a carga horária do curso.
Denúncia
Há outras duas avaliações que compõem a nota de uma faculdade. Uma delas é o “Questionário do Estudante”, preenchido pelos alunos, com informações sobre a instituição. Ele pode ser preenchido de qualquer lugar com acesso à internet. Mas os professores obrigavam os alunos a fazerem isso nos computadores da faculdade, para controlar as respostas dadas.
“Antes de o aluno enviar tem que ter um auditor olhando as respostas e chancelando para o aluno ir embora”, afirma a diretora Maria Aparecida nas reuniões gravadas. “Essa coisa de liberdade não existe. Ela é entre aspas.”
Por telefone, estudantes confirmaram a fraude. “Indiretamente, houve uma indução”, diz um deles.
Por causa disso, um estudante de Administração fez uma denúncia anônima na página do Inep, responsável pelo Enade. Segundo a denúncia, a faculdade ameaçou reprovar alunos que se negassem a participar da fraude.
De acordo com o presidente do Inep, Alexandre Lopes, já foi iniciado um processo de investigação. “Já enviamos questionário à instituição de ensino, já recebemos, estamos fazendo agora a apuração interna e assim que concluirmos encaminharemos ao Ministério da Educação”, afirma.
Outras fraudes
A outra forma de avaliação das faculdades é uma vistoria feita pelos profissionais do Inep, que visitam a instituição para analisar a estrutura, como laboratórios, bibliotecas e salas de aula.
Nas três faculdades em questão isso também era fraudado. Segundo as fontes da denúncia, eram disponibilizados sofás, frigobar, televisão, livros, computadores e sala interativa somente para essa inspeção. “De repente tinha tudo ido embora e não tinha mais nada”, diz uma delas.
A gravação indica também que as faculdades interromperam as aulas da graduação para dar um curso preparatório para o Enade.
De acordo com o presidente do Inep, essa atividade preparatória para o Enade não pode substituir a grade curricular normal das escolas.
Os professores dispensaram os estudantes da entrega de trabalhos curriculares e estágios. E a nota do Enade foi transferida para o boletim. “Eu fazia seis matérias e deixei de fazer seis provas. Fiquei com o boletim todo OK com a nota do Enade”, revela uma das estudantes.
Evandro Echeverría, então diretor acadêmico de uma das faculdades, também fala nas gravações: “Prova, esquece tudo. Se topar o Enade, nós esquecemos tudo.”
Às acusações, ele respondeu, em nota, que não trabalha mais nas faculdades e que, por isso, prefere não se manifestar.
A gravação foi analisada por um perito forense, Pablo Ferraz, que garantiu a identificação positiva para esses áudios.
Para a pró-reitora da Universidade Federal de Mato Grosso, Liziane Pereira de Jesus, o estrago já foi feito, mesmo que bons alunos tenham saído das três faculdades. “Perde o aluno que escolheu o curso utilizando um critério errado, perde a universidade, que não está oferecendo um produto de qualidade, pois foi manipulado o resultado. A sociedade perde também”, diz.
Fonte: Diário da Serra