Ao vê-lo entrar em área de natureza com a filha branca, moradores pensaram ser um estuprador e acionaram a polícia; PM alega ter sido agredido pelos colegas.
A tentativa de realizar um piquenique na companhia da filha de 4 anos se transformou em um pesadelo para o policial militar negro Anderson César da Silva, de 32 anos, que teria sido brutalmente espancado, na presença da criança, e sofrido injúria racial por “colegas” de farda durante uma abordagem policial que aconteceu em Barbacena, no início do ano.
A suposta truculência dos militares teria sido inflada pela suspeita dos moradores de que o homem fosse um estuprador. Exames, no entanto, comprovaram que a menina não sofreu abuso sexual. Após o término da abordagem, o policial chegou a ficar preso por três semanas no 9° Batalhão de Polícia Militar em Barbacena.
Porém, no entendimento do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Anderson não é vítima, mas réu. Na denúncia assinada pelo promotor de Justiça Fabiano Ferreira Furlan, em junho deste ano, e acatada pela Justiça Militar, o pai da criança responde – entre outros crimes – por desacato e ameaça de morte contra superiores no momento da investida policial.
Em nota encaminhada à reportagem nessa sexta-feira (12/11), a assessoria do 9º Batalhão de Polícia Militar informou que, após receber a solicitação da 9ª Promotoria do Ministério Público em Barbacena, instaurou uma investigação para apurar a ação dos policiais militares.
O imbróglio teve início no dia 14 de janeiro de 2021, quando populares acionaram a autoridade policial após visualizarem o PM – um homem negro – entrando em local de mata fechada com uma criança branca no colo. “É tiro! (…). Mataram o cara. É estuprador. (…). Olha lá a polícia descartando”, falou um morador da cidade, à época, ao registrar em vídeo a ação policial. “Dá mais [tiros], dá mais”, gritou o homem.
Suposto crime de injúria racial e tentativa de homicídio
Para Anderson César da Silva, o que aconteceu foi uma tentativa de homicídio. “Eu estava de férias e fazendo um piquenique com a milha filha. A guarnição tentou tirar a minha vida. Fui espancado e enforcado. Eu tentava respirar e pedia que me soltassem”, disse o policial em recente publicação nas redes sociais, acrescentando que foi chamado de “preto safado” – o que configura crime de injúria racial. Ele ainda teria tido a paternidade da criança questionada em decorrência da cor de sua pele.
Vale lembrar que, no fim de outubro, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou a injúria racial como uma modalidade do crime de racismo, considerando-a imprescritível.
Anderson teve ferimentos nos joelhos, nos braços, na cabeça, na boca e também perdeu um dente.
Suposta “maquiagem” no boletim de ocorrência
“Minha filha fez vários exames invasivos [devido à suspeita de estupro]. Depois disso, eu estou como réu e eles como vítimas. Estou sofrendo inúmeras perseguições e represálias. Não consigo mais trabalhar. A sensação é de humilhação”, lamentou. “Fiquei algemado igual bicho a noite toda enquanto eles maquiavam o boletim de ocorrência e me acusavam de vários crimes que não cometi”, afirmou.
O pai da menina disse, ainda, que os policiais dispararam 11 vezes contra o cachorro da família, que, segundo ele, latia na tentativa de defendê-los.
Atuação da defensoria pública
Também nas redes sociais, Anderson criticou o tratamento recebido pela imprensa local, que, à época, noticiou o caso apontando-o como estuprador. Logo, em documento assinado pela defensora pública de Belo Horizonte, em 22 de setembro, e endereçado a uma rádio de Barbacena, foi solicitado o direito de resposta para o policial.
No documento encaminhado ao veículo de comunicação, a defesa alegou que seu cliente foi vítima de “abuso violento de cunho eminentemente racista, posto que quem visualizou o pai negro com a filha branca no colo, andando em direção a uma área de natureza, logo deduziu – na sua mente pautada por racismo estrutural muito grave contra a raça negra – que se trataria de estuprador/pedófilo”.
A defensoria sustentou que os policiais acionados pelos moradores não deram chance para o homem explicar o que ele fazia no local com a criança.
Nesse sentido, a defesa destacou que Anderson foi “violentamente agredido e imobilizado [pelos policiais], tendo ainda o cachorro da família, que reagiu em defesa de seus donos, quase sido abatido por 11 disparos de arma de fogo, enquanto a população histérica pedia para matar o suposto estuprador”.
O que diz o Ministério Público mineiro
“Após notícia realizada via 190, narrando que um homem teria adentrado numa mata fechada com uma criança de quatro anos, a qual chorava copiosamente, a guarnição integrada pelos militares 2º Sgt. PM Leonardo José do Carmo, Cb. PM Daniel da Silva Queiroz e Cb. PM Adriel Rodrigues Dantas, ora ofendidos, dirigiu-se ao local anunciado para averiguar a situação”, destacou trecho da denúncia.
Na versão apresentada pelo MPMG, seguindo o som do choro da criança, a equipe policial conseguiu localizá-los na mata, onde o indivíduo estava ajoelhado, tentando atear fogo em folhas secas com um isqueiro. Conforme a denúncia, Anderson desobedeceu às ordens de revista pessoal, alegando que era policial militar e que estava fazendo um piquenique com sua filha.
Na sequência, ele também teria se negado a informar qual era sua lotação na PM. Novamente advertido e indagado, Anderson teria jogado sua identidade funcional no chão – momento no qual a guarnição, de fato, constatou que o homem era policial.
Os policiais, então, pediram que “ele pegasse a sua filha e os acompanhasse até a saída daquela mata”, o que foi atendido por ele. Anderson, porém, teria ameaçado de morte e xingado as autoridades. “A situação não ficará dessa forma. Isso ainda não acabou. Assim que eu sair eu mato vocês”, teria dito o pai da menina.
O MPMG diz que ele resistiu à prisão com socos e chutes contra os policiais, que precisaram fazer “uso moderado de força” para, deste modo, conseguir algemá-lo.
Em relação ao cachorro, os PMs alegaram que foram atacados pelo animal e por isso atiraram contra ele. Após ser atingido por um dos disparos, o cão se afastou.
Diante do exposto, o Ministério Público enquadrou Anderson pelos crimes de desobediência, desacato a superior, ameaça, resistência mediante ameaça ou violência e lesão corporal de natureza leve – todos previstos no Código Penal Militar.
Nota da Polícia Militar
Indagada pela reportagem nessa sexta-feira, a assessoria da Polícia Militar em Barbacena disse que as investigações, com o objetivo de apurar a conduta dos militares, tiveram início no dia 27 de outubro e devem ter um desfecho ainda este mês.
Leia a nota na íntegra:
“O Comando do 9º Batalhão de Polícia Militar informa que, após receber a solicitação da 9ª Promotoria do Ministério Público em Barbacena, para apuração dos fatos sobre a ação dos policiais militares lotados nesta Unidade, instaurou procedimento administrativo de imediato, tendo os trabalhos apuratórios se iniciado a partir do dia 27 de outubro de 2021, com um prazo máximo de 30 dias para encerramento.
Neste ensejo, as apurações encontram-se em fase final e logo serão encaminhadas para solução e decisão do Comando da Unidade.
Ressalta-se que se forem obtidos indícios de crime ou transgressão disciplinar por parte dos policiais militares investigados, as providências cabíveis serão adotadas, resguardando aos policiais militares o direito à ampla defesa e ao contraditório, tudo em conformidade com as normas da Polícia Militar.”
Fonte: Bruno Luis Barros/Estado de Minas/Web TV Cidade MT
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