Com R$ 1 bi, Minas Gerais tem a maior fatia do orçamento secreto em 2021

Mais de 750 cidades do estado foram apontadas por parlamentares em mecanismo que ‘reserva’ emendas; STF suspendeu repasses

 

Emendas do relator podem ser utilizadas por parlamentares para beneficiar municípios de outros estados(foto: Edvaldo Rikelme/Câmara dos Deputados )

Minas Gerais é o estado com a maior fatia de recursos do “orçamento secreto” federal empenhada em 2021. Dos R$ 9,3 bilhões reservados pela União, pouco mais de R$ 1 bilhão foi prometido a municípios mineiros. “Orçamento secreto” é o nome dado às emendas do relator, reservadas ao parlamentar responsável por emitir, no Congresso Nacional, parecer sobre o texto que trata dos gastos do governo para o ano seguinte.

Dados compilados pela Associação Contas Abertas e obtidos pelo Estado de Minas apontam que, ao todo, cidades de Minas Gerais tiveram, até 7 de novembro deste ano, R$ 1.005.398.915,78 em verbas empenhadas. O empenho significa a “reserva” do dinheiro – portanto, não há como dizer que toda a quantia foi executada. As informações que baseiam esta matéria foram extraídas do Siga Brasil, portal do Senado que trata do orçamento federal.

Belo Horizonte, a capital, lidera o ranking de cidades mineiras com mais recursos empenhados. Ainda nas primeiras posições, porém, há cidades de poucos habitantes, como Iturama e Carneirinho (ambas no Triângulo) e Muzambinho (Sul).

Na terça-feira (09/11), após ser provocado pela oposição a Jair Bolsonaro (sem partido), que enxergava o uso das emendas de relator para barganhar apoio em pautas do governo no Parlamento,  o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela suspensão do mecanismo . Consequentemente, os empenhos ainda não pagos também deixaram de valer. Desde a semana passada, vigorava decisão liminar de mesma orientação. A ideia é que se dê publicidade aos recursos.

O teor “secreto” das emendas ao orçamento, instituídas em 2019, está ligado à ocultação do nome do parlamentar responsável por indicar o destino do dinheiro público. Portanto, oficialmente, os repasses acabam sendo vinculados ao relator-geral do orçamento federal – na análise do texto sobre os gastos previstos para 2022, o posto é ocupado pelo deputado federal Hugo Leal (PSD-RJ). O relator do orçamento para este ano foi o senador Márcio Bittar (MDB-AC).

Atualmente, o orçamento tem espaço para R$ 16,8 bilhões em emendas do relator. A entrega das verbas a localidades sem a necessidade de identificar o político responsável pela escolha permite, por exemplo, que deputados eleitos por um estado enviem cifras públicas a cidades e autarquias de outras unidades da federação.

Centenas de cidades mineiras listadas

Em Minas Gerais, único estado a ultrapassar a casa do bilhão, as emendas de relator foram anunciadas para 761 das 853 cidades. Para projetos sediados em Belo Horizonte, o Legislativo federal prometeu pouco mais de R$ 116,6 milhões.
Na conta, além de itens de responsabilidade municipal, entram entidades regionais e nacionais com representações na capital mineira, como o Fundo Estadual de Saúde, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e a superintendência estadual do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Todas aparecem no detalhamento das verbas empenhadas a destinatários localizados em BH.

Outras cidades com grande número de habitantes ocupam outras posições de destaque no ranking. Pouso Alegre, no Sul, onde vivem 154,2 mil pessoas, é a segunda cidade com mais recursos afiançados: R$ 55,7 milhões.

Betim, na Região Metropolitana (450 mil habitantes), segundo as previsões, teria direito a R$ 21,5 milhões. Uberaba, no Triângulo (340 mil), teve R$ 20,2 milhões reservados.

Apesar disso, municípios de pouca população figuram nas primeiras colocações da lista da fatia mineira do orçamento secreto. Em Iturama, estão 40,1 mil pessoas, mas a cidade está atrás apenas de BH e Pouso Alegre na divisão das emendas de relator, e teve R$ 21,6 milhões reservados.
Em Muzambinho, vivem 20,5 mil cidadãos; na pequena Carneirinho, 10,5 mil habitantes. Elas ocupam, respectivamente, a sexta e a sétima colocação na lista de cidades beneficiadas pelos recursos. À primeira, foram assegurados R$ 13,8 milhões; à segunda, R$ 9,7 milhões. Na sequência, vem Conceição das Alagoas, de 28,7 mil habitantes: situada no Triângulo, a cidadezinha aparece com o empenho de R$ 9,1 milhões.

O economista Gil Castello Branco, fundador e secretário-geral da Associação Contas Abertas, crê que a ausência de critérios claros para basear a distribuição de recursos do orçamento facilita a profusão das emendas “secretas”.

“Embora não se possa fazer uma crítica individual a um estado ou outro, fica muito claro que não existem parâmetros. Municípios menores recebem mais recursos e municípios maiores recebem menos. Aqueles que às vezes mais precisam, muitas vezes recebem menos, enquanto os que menos precisam recebem mais”, diz ele.

“Acaba sendo uma decisão política, porque, justamente, não há critérios, e cada parlamentar está alocando isso da maneira que lhe interessa”, completa.

Segundo Gil, que classifica as emendas ocultas como “instrumento promíscuo” na busca do Executivo pelo apoio de outro Poder, indicadores técnicos e socioeconômicos são fundamentais para sustentar o trabalho dos congressistas na escolha dos beneficiados pelas verbas. “Em todo o orçamento da União, faltam esses parâmetros. Grande parte dos países têm esses referenciais”.

Na segunda colocação da classificação por estados, aparece São Paulo, com R$ 783,9 em empenhos. A Bahia, na terceira posição, soma R$ 719,9 milhões. “Lanterna”, o Espírito Santo está pouco acima dos R$ 100 milhões.

Valores atípicos às vésperas de PEC

As promessas de emendas ganharam impulso em outubro, quando houve o empenho de R$ 2,95 bilhões. Apenas entre os dias 28 e 29 do mês passado,  as reservas somaram R$ 909 milhões . Em meio às garantias, o governo federal e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), estavam às voltas com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, que passou em primeiro turno na primeira semana de novembro com quatro votos acima do mínimo – 312 deputados federais se manifestaram favoravelmente ao tema.

A PEC dos Precatórios, que nesta semana passou em segundo turno pela Câmara e seguiu ao Senado, é a esperança do Palácio do Planalto para  abrir espaço no orçamento e viabilizar o Auxílio Brasil , programa de transferência de renda tido como “substituto” do Bolsa Família.

Ontem, a Comissão Mista de Orçamento (CMO), formada por deputados e senadores, promoveu audiência pública para debater os impactos das emendas do relator. Parlamentares críticos ao modelo apontaram os problemas ocasionados pelo anonimato concedido aos autores das indicações.

“No fim, é dinheiro que está sendo colocado sabe-se lá de que forma. As planilhas que circulam por aí, a falta de transparência e a falta de critérios deixam bem claro que quem é mais próximo dos líderes partidários atuais ou mais próximo do governo recebe milhões ou milhões de reais”, afirmou o mineiro Tiago Mitraud (Novo), que comparou o caso ao Mensalão.

Para Rogério Correia (PT-MG), está evidente que as emendas são caminhos percorridos na busca por votos em matérias como de debate complexo, como a PEC dos Precatórios e o projeto sobre a autonomia do Banco Central, que recebeu o crivo do Congresso. “Existe um ‘toma lá, dá cá’ na base do governo Bolsonaro. Ele está utilizando isso. É preciso terminar com esse tipo de financiamento e aprovação de medidas antipopulares com recursos”.

Sem fiscalização

As  emendas do relator  são identificadas pelo código RP9. Há, ainda, as emendas individuais, sugeridas por cada mandato, e as de bancada, construídas coletivamente por deputados do mesmo estado ou da mesma região. Um outro tipo, relacionado às comissões temáticas do Senado e da Câmara, não será contemplado no orçamento que está sendo costurado.

As RP9 referentes a 2021 estão associadas a sete ministérios: Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Cidadania, Defesa, Saúde, Educação, Economia e Desenvolvimento Regional. É nas pastas que fica alocado o dinheiro assegurado para bancar as indicações. Nem todas os empenhos precisam ser concretizados.

A suspensão das emendas de relator, porém, pode fazer nascer outros mecanismos para manter vivos os repasses. Segundo “O Globo”, uma das soluções discutidas é transferir a tarefa ao carimbo RP2, destinado ao dinheiro cujo destino é definido diretamente pelos ministros de Estado. Mesmo se a “caneta” for transferida às mãos de integrantes do Executivo, há temor por manobras.

“Continua possível o presidente da Câmara ligar para a secretaria de Governo e falar: ‘acabou a RP9, mas tenho uma relação de pedidos de parlamentares e queria encaminhar’. Aí, a secretaria de Governo encaminha para os ministérios, que executam, e pronto. Ficaria, inclusive, menos transparente, porque nem saberíamos que isso aconteceu”, explica Gil Castello Branco.

Fonte:  Guilherme Peixoto/Estado de Minas/Web TV Cidade MT