Defasado, selo de consumo de energia do Inmetro para eletrodomésticos não ajuda na conta de luz e será reformulado
Geladeira vendida no Brasil só terá consumo exigido nos EUA em 2026. Especialistas criticam selo do Inmetro, que não passa por revisão há mais de dez anos.
Diante do risco de racionamento de energia e de uma conta de luz bem mais salgada, com a entrada em vigor da bandeira vermelha 2, este mês, a baixa eficiência energética dos eletrodomésticos à venda no país pode ser um obstáculo a mais para a redução do consumo de energia nos lares brasileiros.
Especialistas criticam a defasagem do Programa Brasileiro de Etiquetagem (PBE), do Inmetro, que ganhou popularidade desde o último racionamento de energia, em 2001.
Apagão?
Naquele que ficou conhecido como o ano do apagão, os selos de eficiência energética se tornaram um dos principais meios de informação do consumidor na hora de escolher os eletrodomésticos mais eficientes para reduzir o consumo.
Para se ter uma ideia, as geladeiras, responsáveis por 30% do gasto com energia, só alcançarão em 2026, no Brasil, o padrão de eficiência exigido nos EUA desde 2014.
Atualmente, quase 100% das geladeiras estão classificadas como A. No entanto, o próprio Inmetro admite que há entre elas uma diferença de até 30% no consumo. Na nova regulamentação, em fase de conclusão, o instituto prevê classificação dos refrigeradores em A+, A++ e A+++, representando diferenças de consumo de 10%, 20% e 30%.
— Há mais de dez anos o selo de classificação das geladeiras não era revisto. Temos hoje à venda no mercado brasileiro refrigeradores que não chegariam às lojas em países como México, Índia e Quênia. Nem estou comparando com o Primeiro Mundo — diz Clauber Leite, coordenador do programa de Energia, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
Ele continua:
— Mesmo quando se escolhe um produto classificado como A, o consumidor não tem a seu dispor o melhor desempenho.
Selo Procel é mais eficiente
Menos de 9% do refrigeradores atuais se classificariam como A+++, o maior nível de eficiência da nova regulamentação, admite Hércules Souza, chefe da Divisão de Verificação e Estudos Técnicos do Inmetro.
Ele pondera que classificar esses aparelhos abaixo de A, o que só acontecerá em 2025, significaria para os fabricantes a perda de incentivo tributário, e resultaria em aumento de preço:
— O preço mais alto prejudicaria as classes menos favorecidas para as quais o que vale é o que cabe no bolso. E não adianta mudar a classificação abruptamente como fez a Argentina,por exemplo, e não ter aparelho para oferecer na classe A. Lá hoje estão todas classificadas como D.
Souza diz que o programa de etiquetagem vem sendo atualizado. Cita o caso do ar-condicionado, revisto em 2019, e explica que é preciso dar prazo para que a indústria se adapte. Segundo ele, o Inmetro está trabalhando para equalizar as regras de classificação com as implementadas na Europa.
Além do selo do Inmetro, há no mercado brasileiro o selo concedido pelo Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel) aos aparelhos mais eficientes de suas categorias. Para especialistas, a certificação do programa hoje é uma referência mais fidedigna que a do Inmetro.
Redução de até 30% na conta de luz
O selo é a parte mais visível do Procel, que existe há 35 anos. Em 2020, ações implementadas com a participação do programa em indústrias, edificações e setor público, além da certificação dos equipamentos, resultaram numa economia de energia estimada em 22 bilhões de kWh. Isso representa 5% do consumo total de eletricidade no país.
O país vive uma crise hídrica. Com reservatórios das hidrelétricas baixos, há necessidade de acionar as termelétricas, que produzem energia mais cara, elevando a conta de luz. Por isso,, eficiência energética é fundamental para aliviar o bolso.
Especialistas dizem que é possível reduzir em até 30% a fatura mensal em casa com a troca de lâmpadas incandescentes por modelos mais eficientes e de aparelhos de ar-condicionado de janela por splits.
São práticas crescentes no país, segundo pesquisas do Procel, indicando que os brasileiros vêm incorporando esse comportamento desde o apagão de 2001. Bruno Yamanaka, analista do Instituto Akatu, diz que estudos feitos pela entidade apontam na mesma direção:
— Desde 2012, vemos uma crescente mudança de hábitos como o de evitar lâmpadas acesas em ambientes vazios e desligar aparelhos quando não estão em uso. Casos como ar- condicionado ligado com janelas abertas, aparelhos em modo stand by e lava-louças usada abaixo da capacidade.Energia: Governo deve restringir navegação em hidrovia e uso de água para irrigação para evitar racionamento
Clauber Leite, do Idec, reforça que eficiência energética precisa ser uma preocupação constante, não só em momentos de crise de abastecimento.
Indústria admite atraso
— Campanhas educativas são de fundamental importância. No entanto, é essencial garantir ao consumidor equipamentos que ofereçam de fato melhor eficiência energética e trabalhar com as prefeituras para implementação de políticas como mudanças no código de obras para exigência de uso de energia solar e captação de água da chuva — destaca.
A Eletros, associação que reúne os fabricantes de eletrodomésticos, diz, em nota, que, apesar de a etiquetagem seguir os padrões internacionais, “na norma técnica que embasa a etiquetagem, estamos atrás dos padrões mais atuais”.
A entidade diz que, no Brasil, a norma regulatória que embasa o programa de etiquetagem é a IEC 2005, mas internacionalmente se utiliza a IEC 2015.
A indústria considera adequado o prazo dado pelo Inmetro e a maneira como pretende implementar a transição a partir de 2022:
“Com esta proposta, já haveria uma maior diferenciação dos produtos no ponto de venda. Para a segunda fase, o Inmetro propõe a adoção da norma europeia, ajustada para a realidade climática e socioeconômica do Brasil, já sem subclasses”.
Fonte: Luciana Casemiro/Jornal O Globo/WEB TV Cidade MT