Janelas quebradas
Segundo noticia a mídia, três dias após dizer em live que voltou a ter sintomas da Covid-19, o presidente Jair Bolsonaro gerou nova aglomeração durante passeio de moto neste domingo (23) no Rio de Janeiro.
A prefeitura da cidade estimou que participaram do evento de 10 mil a 15 mil pessoas. E, como já se tornou usual e corriqueiro, voltou a desrespeitar as instituições de Estado, os governadores e prefeitos, ao dizer: “Meu Exército jamais irá às ruas para manter vocês dentro de casa […] Nosso Exército são vocês. Mais importante do que os Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo, é o poder do povo brasileiro”.
Ou seja, o povo- naturalmente, os militantes e aderentes a ele, substituem os poderes constituídos. Mas, não é isto o que diz, a CF/88: “Art. 1º- Parágrafo único: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Ou seja, o povo- naturalmente, os militantes e aderentes a ele, substituem os poderes constituídos. Mas, não é isto o que diz, a CF/88: “Art. 1º- Parágrafo único: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Forma direta: plebiscito, referendum, iniciativa popular de projetos de lei, mas, não, violências ou quebra da ordem democrática. E voltou a lançar, prematuramente, candidato ao governo de São Paulo, usando o cargo e estrutura oficial de apoio ao seu deslocamento até o RJ, uma campanha explícita eleitoral prematura, ao arrepio da lei.
Disse, aliás, não foi a primeira vez, referindo-se ao Ministro da Infraestrutura- Tarcísio Freitas, que o acompanhava: “”Vai fazer uma limpeza em São Paulo ou não vai? Acho que o pessoal de São Paulo vai ser premiado com o Tarcísio”. O presidente tem percorrido outros Estados para inaugurar (ou, reinaugurar) obras, mas, no fundo, é campanha eleitoral prematura, abusando do cargo e com despesas que todos nós pagaremos, pelos seus passeios de moto. Um repórter presente foi xingado de “lixo” e teve que ser escoltado pela PM, para sair do local, dada a agressividade do novo “exército” bolsonariano- o povo.
Isto me lembra a teoria das janelas quebradas, que pode ser sumarizada na ideia de que, se uma janela de um edifício for quebrada e não receber logo reparo, a tendência é que passem a jogar pedras nas outras janelas, e posteriormente a ocupar o edifício e destruí-lo. Ou, seja, o que quer dizer que a desordem gera desordem, por um comportamento antissocial, político ou ideológico não reprimido, dando origem a vários outros delitos ou atos, que, no final, não poderão mais ser repremidos.
A aceitação indiferente, apática ou conivente da população e principalmente, dos órgãos de Estado- STF, Congresso, e outras autoridades, pode desaguar no caos social e, no que sempre foi o sonho bolsonariano- nunca negou em sua vida parlamentar de 28 anos- a restauração da Ditadura, “com ele no poder”, como diziam as faixas do passeio de moto do domingo retrasado em Brasília.
Num raciocínio simples: as pedras, que vem de dentro (presidente) ou de seguidores e outras forças da sociedade que apoiam as mesmas idéias, podem atingir os que estão do lado de fora (as instituições democráticas e legais), por inação destas.
Uma janela quebrada- física, política ou ideológica, transmite uma ideia de deterioração, de desinteresse, de despreocupação, e quebrar os códigos de convivência social ou política, faz supor que a lei encontra-se ausente, que naquele lugar não existem normas ou regras. Ou seja, uma janela quebrada induz ao “vale-tudo”.
Cada novo ataque depredador reafirma e multiplica essa ideia, até que a escalada de atos cada vez maiores, torna-se incontrolável, desembocando na quebra do Estado e da Democracia (a grande janela ou edifício). Isto é, o que o presidente faz, é um ato planejado, não espontâneo; por exemplo, a sua obcessão do voto de papel/impresso: “sem voto impresso, não haverá eleição-(2022)”.
A mudança é de instrumento- urna eletrônica, sistema de votar, ou o fim do voto transparente e confiável como é hoje, para voltar aos velhos tempos dos resultados fraudados ou impostos até por violência, ou mesmo a extinção do sistema eleitoral brasileiro?
Quando são cometidas “pequenas faltas” (estacionar em lugar proibido, exceder o limite de velocidade, passar com o sinal vermelho, lavar a mão do guarda para rasgar a multa) e as mesmas não são punidas, logo começam as faltas maiores e os delitos cada vez mais graves: (o STF é corrupto, deve ser fechado; o Congresso é inútil e oneroso; podemos nos autodefender em qualquer situação; sem auxílio das forças policiais, quem pensa diferente é comunista, etc).
Apoiadores do presidente- inclusive senadores e outras autoridades dizem que estes disparates verbais são apenas o reflexo de sua personalidade: “o presidente é autêntico, popular, fala o que pensa”, inclusive quando faz piadas grosseiras contra as mulheres, ou homofóbicas e racistas- (negros de quilombos pesam 10 arrobas e são preguiçosos)?
Mas, no cargo de Presidente da República, o mais alto da Nação, pode “falar o que pensa” impunemente, desprezando a Constituição Federal, que jurou defender?
O que esses apedrejadores se esquecem é que o caos criado não permanece imóvel. Que levar as pessoas à desordem- social ou política é transformá-las em instrumentos coniventes ao crime, a desordem social e política, com as consequências que já estamos assistindo em termos de radicalismo e desestruturação dos valores éticos, morais e políticos de nosso país.
Essa teoria traz duas afirmações principais:1-que os atos de pequena escala ou comportamento antissocial são passíveis de se resolver com o “jeitinho” brasileiro- (“lavar a mão do guarda para rasgar a multa”), e 2- que os atos de grande escala (rasgar a CF e destruir o Estado Democrático) podem ser sancionados pelo povo.
É um filme que já assistimos em 1964. Será que reparar as janelas quebradas, enquanto é tempo, não evitaria a destruição de todo o edifício? Em outras palavras: uma atuação vigilante e tempestiva dos órgãos de Estado- Judiciário e Congresso ou, do MPF (que tem entre suas funções, defender o Estado Democrático de Direito), a OAB (idem), não poderiam agir para interromper esse caminho consciente do nosso presidente em direção ao caos político da nação?
Ou, quando acordarmos já não haverá mais janelas a quebrar/reparar ou mesmo edifícío a reconstruir?
Ou, ainda, como ilustra alguém: “Considere uma calçada ou passeio no qual algum lixo está acumulado. Ao longo do tempo, mais lixo é acumulado. No final das contas, as pessoas começam a deixar lá seus sacos de lixo.”. Virou uma atitude e comportamento normal e sancionado. A teoria das janelas quebradas aponta para que o Estado e a sociedade se preocupem com a prática de todo e qualquer delito, inclusive os de pequena monta e gravidade ínfima: material ou político.
É que punindo-os de maneira “exemplar” e a tempo, o Estado mostraria para a população que quer e respeita um estado de ordem, respeito a lei, e às instituições do Estado. Lembre-se, prezado/a leitor/a: “Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”, diz a sabedoria popular.
Fonte: Auremácio Carvalho/MidiaNews/WEB TV Cidade MT