Pessoas com Alzheimer têm risco três vezes maior de sofrer casos graves ou morrer de Covid-19, mostra estudo
De todas as comorbidades da Covid-19, nenhuma causa risco de agravamento tão significativo quanto as demências, como o mal de Alzheimer. O risco de pessoas com esses distúrbios neurológicos sofrerem casos graves ou morrerem de Covid-19 chega a ser três vezes maior, segundo um estudo de cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto Butantan.
— Ficamos realmente impressionados com o peso das demências sobre o agravamento da Covid-19. Sozinhas, elas têm mais impacto do que doenças cardiovasculares, diabetes e obesidade, consideradas as comorbidades mais importantes para o agravamento da Covid — destaca Sergio Ferreira, um especialista em doenças neurológicas e professor dos Institutos de Biofísica e de Bioquímica Médica da UFRJ.
O nome do estudo publicado na revista científica Alzheimer’s & Dementia é autoexplicativo: “Dementia is an age-independent risk factor for severity and death in Covid-19 in patients” (Demência é um fator de risco independente para a severidade e morte na Covid-19).
Numerosos estudos já mostraram que pacientes com Covid-19 desenvolvem sequelas neurológicas com frequência, um percentual que pode chegar a 60%, em diferentes graus de gravidade. A nova pesquisa vai além e mostra que essa pode ser uma via de mão-dupla. Isto é, pessoas que já têm doenças neurológicas como demência acabam tendo um agravamento da Covid-19.
O estudo se baseou em análise epidemiológica. Foram analisados dados do UK Biobank. Trata-se de um projeto que há 15 anos acompanha 500 mil voluntários no Reino Unido, com exames de saúde periódicos.
Os cientistas brasileiros selecionaram no UK Biobank 16 mil pessoas com mais de 65 anos de idade (faixa etária em que as demências se tornam mais frequentes) testadas para a infecção pelo coronavírus. Viram que 1.200 haviam sido infectadas.
Os cientistas então analisaram detalhadamente o histórico de todas essas pessoas para detectar diferenças entre positivos e negativos. Além de identificarem um risco até três vezes maior de adoecimento e morte, também viram que as pessoas com demência têm risco três vezes maior de serem infectadas. Isso descartada a influência de todas as demais comorbidades.
— É um grave problema de saúde pública. Mais de um milhão e meio de pessoas sofrem de demências no Brasil. É preciso garantir que elas sejam vacinadas. Mesmo que tenham que ser vacinadas em casa — ressalta Ferreira.
Estima-se que 40% das pessoas acima dos 85 anos sofram de demência, e o Alzheimer representa 70% dos casos. No mundo são 35 milhões de pessoas, mais de um milhão das quais no Brasil.
Ainda assim, há poucos recursos para os doentes. O último remédio licenciado é de 2003 e oferece ação muito limitada. Na melhor das hipóteses, retarda por um ano o declínio do cérebro.
Os mecanismos pelos quais o cérebro pode ser afetado na Covid-19 permanecem em aberto. Uma possibilidade é que a inflamação que acomete todo o corpo provoque uma série de efeitos nocivos no cérebro.
Ferreira explica que existem indícios de que o coronavírus possa também acometer o sistema nervoso central, mas isso não explica todos os tipos de distúrbios observados.
Todavia, se sabe que o cérebro com mal de Alzheimer é um cérebro com inflamação. E a Covid-19 também provoca inflamação. Existe um duplo ataque inflamatório, com consequências potencialmente devastadoras.
— Não desvendamos todos os mecanismos da Covid-19, mas sabemos que ela afeta o cérebro e que pessoas com distúrbios prévios são mais vulneráveis e precisam ser protegidas. Vacinação de todos é imprescindível — enfatiza o cientista.
Fonte: Ana Lucia Azevedo/Jornal Globo/WEB TV Cidade MT