CABEÇA BRANCA: Livro destrincha ascensão e queda de megatraficante em MT

Luiz Carlos da Rocha viveu por anos em Sorriso se disfarçando de produtor de soja

No dia 1º de julho de 2017, a prisão do até então insuspeito fazendeiro Vitor Luis de Moraes, em uma padaria de Sorriso, colocava fim a três décadas de crimes, mentiras e impunidade.

 

Naquele momento, moradores da cidade, maior produtora de soja do Mundo, descobriram que Vitor, na verdade, se chamava Luiz Carlos da Rocha. E mais: não era agricultor e sim o maior traficante de drogas do Brasil, procurado Polícia Federal durante anos e conhecido no mundo do crime como “Cabeça Branca”.

 

A impressionante história do homem que ergueu um patrimônio de R$ 1 bilhão com o tráfico – e teve seu ocaso em Mato Grosso – está retratada em um livro lançado em março.

Em “Cabeça Branca, a Caçada ao Maior Narcotraficante do Brasil”, o jornalista Allan de Abreu destrinchou como funcionavam os negócios do traficante, que tinha em Mato Grosso um estado estratégico para o esquema em razão da proximidade com a Bolívia e pelo fato de poder se passar despercebido como mais um milionário do agro.

 

Aqui, o traficante se relacionou com empresários, advogados e até mesmo políticos, que serviram ao seus propósitos de ocultar patrimônio e escapar das barras da Justiça.

 

O livro diz que o esquema de lavagem de dinheiro do traficante em Mato Grosso envolveu nomes como do ex-prefeito de Brasnorte, Eudes Tarciso de Aguiar, e da ex-deputada estadual e prefeita cassada de Juara, Luciane Bezerra (PSB).

 

Em sua delação premiada, o ex- presidente da Assembleia, José Riva, afirmou que Luciane Bezerra usou contas bancárias da empresa Fama Serviços Administrativos Ltda., de propriedade de uma prima, para receber propina.

 

“Os reais de ‘Cabeça Branca’ foram depositados em uma empresa de Cuiabá, a Fama Serviços Administrativos Ltda. Foram treze depósitos no valor total de R$ 283,9 mil (…). Os comprovantes dos depósitos foram encontrados
pela PF no celular de Wilson Roncaratti, o faz-tudo de ‘Cabeça Branca'”, consta em trecho do livro.

Na sede da Fama, os policiais encontraram a cópia de um contrato e de uma nota provisória de empréstimo, com assinatura de dezembro de 2016, no valor de R$ 1 milhão. O valor seria um empréstimo da Fama para Luciane, diz Abreu.

 

As investigações indicam que o contrato foi forjado, já que a promisória nunca foi resgatada. Na mesma pasta onde estavam os documentos, a polícia encontrou comprovantes de repasses de dinheiro para parlamentares e servidores comissionados da Assembleia Legislativa.

 

O livro diz ainda que a rede de lavagem incluía o ex-prefeito e ex-vereador de Brasnorte (MT) Eudes Tarciso de Aguiar (DEM), cuja empresa possuía uma fazenda de 920 hectares, comprada por R$ 3,2 milhões, que de fato pertencia
a “Cabeça Branca”, de acordo com a PF.

 

Viagens de juízes à Disney

 

Em outra passagem, Abreu narra sobre a atuação do advogado de “Cabeça Branca” em Cuiabá.

 

Conforme do autor, a participação do advogado José Ribeiro Viana era imprenscindível para garantir relação estreita de “Cabeça Branca” com a cúpula da PF, especialmente com delegados, e o Judiciário de Mato Grosso.

Nas pesquisas, o jornalista descobriu que Vianna costumava pagar viagens de juízes do interior para a Disney, nos Estados Unidos. O livro, no entanto, não cita nome de magistrados.

 

Nesta parte da história que envolve Vianna, o livro relata que uma sala em “um edifício arredondado no centro de Cuiabá”, onde o advogado mantinha um escritório, serviu de campana para agentes Polícia Federal.

 

A investigação contava com apoio da polícia antidrogas norte-americana, a Drugs Enforcement Administration (DEA), que cedia combustível para a PF e compartilhava informações sobre o cartel.

 

Foi no prédio do Centro de Cuiabá, inserindo um gravador de voz na ponta de uma haste, pelo lado de fora do edifício, que um dos investigadores conseguiu alcançar a janela de Vianna e descobrir os próximos passos de “Cabeça Branca”.

Fazendas como rota do tráfico

 

Nas fazendas que tinha em Mato Grosso, “Cabeça Branca” também lavava boa parte do dinheiro das toneladas de cocaína que, antes de ser exportada para Europa e Estados Unidos, desbocava nos principais portos brasileiros em Santos (SP), Rio de Janeiro (RJ), Paranaguá (PR), Itajaí (SC) e Navegantes (SC).

 

No Nortão, onde tinha ao menos meia dúzia de propriedades, que também serviam como rota para chegada dos aviões carregados de droga, parte do dinheiro acabava sendo usada para comprar mais terras e cabeças de gado.

 

O início

 

História de “Cabeça Branca” e Mato Grosso se entrelaçaram anos antes dele fazer o Nortão de refúgio.

 

Abreu conta que, já na década de 80, o pai do narcotraficante comprou uma fazenda em Chapada dos Guimarães. Segundo o escritor, a família de “Cabeça Branca” tinha um esquema de contrabando de café em Mato Grosso do Sul.

 

“Depois dos anos 90, com o pai já falecido, ele começa a comprar fazendas. Em 2000, já tinha propriedades em Tapurah, Matupá e outras cidades. Essas fazendas eram vitais para ele, porque recebiam a droga. Era mais de meia dúzia de fazendas e milhares de cabeças de gado”, explica Abreu.

Em uma das propriedades do Nortão, onde pousavam os aviões com cocaína, o traficante escreveu a palavra “Branca” com eucaliptos, como forma de sinalizar aos pilotos que era ali o ponto de chegada da droga.

 

A palavra tinha mais de um quilômetro de comprimento e só era vísivel do alto. A pista de pouso das aeronaves ficava a poucos metros do sinal.

 

Acervo/Allan de Abreu

Com eucaliptos, traficante escreveu “Branca” em fazenda de MT para pilotos saberem onde pousar com cocaína.

 

Neste ponto da história, Mato Grosso já era um dos seus principais entreportos. Sua relação com o Estado se entrelaça ainda mais ao longo dos anos. Por aqui “Cabeça Branca” se casou e teve filhos.

 

Abreu conta que, como “Cabeça Braca” não costumava ostentar sua fortuna e era sempre muito reservado, ninguém em Sorriso desconfiava que se tratava de um criminoso. Para todos os efeitos, era apenas um dos incontáveis produtores rurais que transitam em caminhonetes pela cidade.

 

“Lá ele era apenas um sojicultor. Já tinha feito plásticas, estava com nome falso. Ninguém imaginava que fosse ele. Você nunca vai ver uma foto do ‘Cabeça Branca’ ao lado de uma Ferrari, por exemplo. Ele não tinha esse perfil. Tanto que são raríssimas as fotos dele”, explica o jornalista.

 

“Diferente dos outros” 

 

O jornalista conta que há dez anos pesquisa sobre o narcotráfico. No primeiro livro “Cocaína: A Rota Caipira”, “Cabeça Branca” foi um dos personagens retratados. Mas o narcotraficante acabou se destacando aos outros pelo grande esquema logístico.

 

Foram três anos para escrever o livro sobre o narcotraficante.

 

“Depois da prisão de ‘Cabeça Branca’, percebi que ele era muito diferente dos outros, muito maior. Ele é muito peculiar pelo poder financeiro e logístico. Conseguia ‘jogar’ a droga no Brasil e em outros países. A fortuna dele já supera R$ 1 bilhão, fora o que ainda não foi descoberto”, explica.

 

“Cabeça Branca” só havia sido preso em 1987, por contrabando. Desde então, passou três decadas trazendo em médica 5 toneladas de cocaína por mês para o Brasil.

 

O jornalista explica que o narcotraficante negociava diretamente com máfias sérvia, russa e italiana.

 

Abreu chegou a tentar entrevistar Cabeça Branca, que recusou o convite.

 

Para o jornalista, muitos momentos da vida do traficante ainda “são obscuros” e seguem guardados por “Cabeça Branca”, que prefere continuar vivendo da forma discreta que viveu por anos no Nortão de Mato Grosso, como um “fantasma”.

Fonte: BRUNA BARBOSA/MidiaNews/WEB TV Cidade MT